O RABINO DOS 500.000 LEITORES Com jeito de garotão, Nilton Bonder prega o judaísmo e se torna o novo fenômeno dos livros de auto-ajuda Que Lair Ribeiro, que nada. Muito menos Paulo Coelho ou a caçadora de anjos Monica Buonfiglio. O super-herói do momento na área dos livros de auto-ajuda é Nilton Bonder, um gaúcho criado no Rio de Janeiro que há duas semanas bateu a marca de meio milhão de exemplares vendidos dos oito livros que lançou até agora. Apesar disso, fora seus leitores, pouca gente o conhece. Isso porque Bonder não é do tipo que cava espaço na TV ou contrata assessores para alardear seus poderes. Bonder é rabino, ordenado pelo Jewish Theological Seminary de Nova York, e sua forma de ajudar os leitores sequiosos de uma palavra amiga é resgatar os ensinamentos da tradição judaica, traduzindo-os numa linguagem mais acessível aos cidadãos de hoje, de qualquer credo. Com essa receita, apenas de seu segundo lançamento, A Cabala do Dinheiro, Nilton Bonder vendeu 250 000 exemplares. O livro faz parte de uma trilogia que se completa com A Cabala da Comida e A Cabala da Inveja - este último devorado pelo ex-presidente Femando Collor durante a fase pré-impeachment. O termo "cabala", nesse caso, não tem conotação mágica. Ele significa "recebimento" e designa a forma como os judeus interpretam os textos sagrados, extraindo lições das entrelinhas. Dinheiro, comida e inveja: eis aí três assuntos do cotidiano de qualquer mortal fartamente explorados pelos manuais de autoajuda. Na trilogia de Bonder, no entanto, não há fórmulas para ganhar dinheiro fácil, emagrecer sem sacrifícios ou afastar maus olhados. Com um texto macio, recheado de historinhas saborosas, o autor apenas induz o leitor a refletir sobre esses temas a partir dos ensinamentos do judaísmo. "Quando alguém me pergunta como ficar rico, proponho à pessoa repensar o dinheiro", exemplifica o rabino. Numa escala de qualidade literária entre os lançamentos de auto-ajuda, as obras de Bonder situam-se acima das dos demais autores de sucesso do gênero. Tanto assim que, para escrever o prefácio de seus livros, ele costuma seduzir a pena de autores de prestígio. O poeta e tradutor Haroldo de Campos, por exemplo, assina o de A Cabala da Inveja. "Muito nos ensina este livro que, na tradição midrashista das parábolas, das micronarrativas aforismáticas, Nilton Bonder entreteceu para nosso comprazimento", escreve Campos. É um elogio. Já no prefácio de A Cabala da Comida, o escritor Moacyr Scliar descreve o livro como "encantador, um banquete espiritual e intelectual raro". Bonder também se ocupa de temas inéditos no terreno da
auto- ajuda. No livro O Crime Descompensa, ele pretende levar o leitor
a tomar posição diante das discussões de caráter
ético que hoje e travam no país sobre temas como cidadania
e violência urbana Nilton Bonder, como se nota, é um rabino diferente, e não apenas por transformar a tradição judaica em best-sellers. Seu perfil pessoal também está longe daquele que se costuma imaginar quando se pensa num líder espiritual descendente de Moisés. Para horror das correntes mais ortodoxas do judaísmo, ele se veste, e se comporta nas horas vagas, como um ipanemense em férias. Com 37 anos, aparentando dez menos, pode ser visto na praia com uma prancha de surfe sob o braço ou praticando tênis, natação e Cooper. Milita em causas ecológicas ("rabino verde" é um de seus apelidos) e representa oficialmente sua religião na campanha contra a fome de Betinho. Nos recentes anúncios da campanha na TV mostrando artistas como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Tom Jobim narrando parábolas sobre a cidadania, os textos eram tirados de seus livros. Na Barra da Tijuca, onde atua na única sinagoga do bairro, que ele próprio construiu há um ano com dinheiro arrecadado entre a comunidade judaica, é reconhecido e saudado nas ruas. A sinagoga, por sinal, tem também toques inusitados de modemidade. O desenho arquitetônico das colunatas internas é assinado por Burle Marx - uma das últimas obras do artista, morto no ano passado - e os detalhes de decoração levam a griffe de Hélio Pellegrino Filho, um dos arquitetos da moda no Rio. "Meu objetivo é popularizar a tradição judaica da mesma forma que os hippies fizeram nos anos 60 com as religiões orientais", compara Bonder, que é casado pela segunda vez e tem dois filhos. "Procuro encontrar uma ponte com a realidade das pessoas, em vez de ficar trancado num quarto elucubrando sobre a religião", completa. Tamanho entusiasmo, como se pode prever, faz de Bonder uma figura polêmica entre seus colegas. "Admiro muito a energia criativa do Nilton e seu não conformismo. Ele faz questão de manter uma postura independente, e eu sei como isso pode ser difícil para um rabino", diz Henry I. Sobel, presidente do rabinato da Congregação Israelita Paulista. "Não me preocupo em acompanhar o que Nilton faz, nunca li sua obra, ele não pertence à minha linha", diz, encerrando a conversa, o rabino Eliezer Stauberg, da sinagoga de Copacabana. Em defesa de seu estilo pouco convencional, Bonder explica que nada há de exótico na rotina do templo que comanda. "O clima é informal, mas nossa liturgia é extremamente tradicional e, entre as sinagogas não ortodoxas do Rio, somos a única a praticar a oração diária", ele diz. A vida de Bonder na sinagoga da Barra não é fácil. Além de celebrar setenta cerimônias como casamentos, enterros e bar mitzvah por ano, ele atende a cada semana cerca de trinta pessoas que, aflitas pelos mais variados motivos, buscam seus conselhos. Parte desses fiéis é de doentes terminais, aterrorizados diante da morte. A estes, Bonder invariavelmente faz uma ponderação filosófica que costuma reconforta-los: o medo do desconhecido é uma tolice, simplesmente porque não se conhece o desconhecido. O que nos aflige é apenas a especulação humana sobre o que vem depois da morte, e não vale a pena afligir-se por simples especulações. O rabino aprendeu lições como essa depois de trabalhar
com doentes terminais no Memorial Sloane Kettering Hospital, em Nova York,
uma das escalas de sua formação nos Estados Unidos. Na verdade,
Bonder aportou naquele país, em 1981, como estudante de engenharia
mecânica na Universidade de Columbia. Formou-se, mas jamais pensou
em exercer a profissão. O rabinato não é uma atividade sacrificada do ponto de vista financeiro. Como contratado da sinagoga da Barra, pago pela comunidade, Bonder ganha mais ou menos o que ganharia se trabalhasse como engenheiro mecânico numa firma de prestígio. É claro que, hoje, seu orçamento é reforçado pela pequena montanha de dinheiro que representam os direitos autorais sobre 500 000 livros vendidos. "Desde pequeno eu gostava de ler os textos tradicionais judaicos, mas sentia que eles se destinam ou aos velhos ou às crianças - os jovens têm dificuldade em apreendê-los", diz Bonder, que procura ocupar essa brecha à frente da sinagoga e com seu livros. Para tomar os ensinamentos religiosos atraentes a qualquer leitor, Bonder
lança mão de um recurso simples inspirado na própria
tradição judaica: as parábolas. São essas
pequenas historinhas, sempre supreendentes, encaixadas a cada duas páginas,
que tomam os livros do rabino saborosos. Em O Crime Descompensa, por exemplo,
para ilustrar os perigos do individualismo, conta a história de
um homem que, viajando num barco, começou a fazer um buraco embaixo
de seu assento. Os outros passageiros, é claro, reclamaram. Ele
retrucou dizendo que ninguém ali tinha nada a ver com isso, afinal,
fazia o buraco embaixo do próprio assento. Outra das histórias
favoritas de Bonder: um homem morre e é levado a conhecer o inferno.
Lá chegando, encontra um fabuloso banquete, mas os comensais apenas
choram e ele logo descobre por quê: seus cotovelos são virados
ao contrário, portanto eles não conseguem dobrar o braço
e levar a comida à boca. Depois, ao ser levado a conhecer o céu,
o homem encontra o mesmo banquete, mas desta vez os comensais riem e se
divertem. O visitante acha estranho, pois nota que eles também
têm os cotovelos ao contrário. Alguém lhe explica:
aqui. eles levam o alimento à boca uns dos outros. |