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O SAGRADO
2007
Editora Rocco
"Auto-ajuda é uma pizza"
JORNAL DO BRASIL - REVISTA DOMINGO - 25.11.07
Por Clara Passi
Depois de confrontar tradição e traição no
livro A alma imoral, lançado pela Rocco em 1998 e cujas vendas
foram catapultadas pelo sucesso do monólogo homônimo adaptado
para os palcos pela atriz Clarice Niskier, em 2006, o rabino Nilton Bonder,
49 anos, escolheu brincar com o título do maior sucesso editorial
de auto-ajuda deste ano, O segredo, de Rhonda Byrne. Em O sagrado, seu
17º livro, que será lançado no dia 1º de dezembro,
o rabino da Congregação Judaica do Brasil, graduado em engenharia
mecânica pela Universidade de Columbia e doutor em literatura hebraica
pelo Jewish Theological Seminary, coloca o sagrado como a terceira via
milenar entre o racionalismo e o esoterismo, capaz de resgatar a auto-estima
do ser humano numa era de competição e incertezas. Bonder
critica a auto-ajuda - que, segundo ele, é como uma pizza, gostosa
ao paladar, mas vazia de nutrientes - e admite enxergar poesia em horóscopos
de jornal. "Leio e acho bonito. Não interpreto aquele parágrafo
como oráculo, mas como poesia".
Por que fazer trocadilho com 'O segredo'?
- Conheci o DVD de O segredo há um ano, quando fiz o Caminho de
Abraão, no Oriente Médio, num projeto da Universidade de
Harvard, entre aeroportos e desertos. Me impressionou aquele resumo das
várias confusões que o mundo moderno faz sobre o que é
a espiritualidade, em seu sentido mais profundo: o de tornar as pessoas
sábias, de capacitá-las para lidar com a vida de uma maneira
melhor. Havia coisas refinadas misturadas a outras muito grosseiras. Era
algo totalmente do mundo do século 21, um produto de consumo, onde
o universo todo vira um grande supermercado. Bastaria encomendar o universo,
e ele chegaria no dia seguinte. O mundo hoje quer dividir as coisas em
dois pólos: um racionalista, ligado à tecnologia, à
ciência, e outro oculto, esotérico.
E por que escrever este livro?
- A vontade surgiu depois de perceber que as pessoas não vêem
a verdadeira proposta espiritual, a terceira via, que chamo de sagrado.
Não é a via do racionalismo nem a desse ocultismo mágico
que promete que um dia você pode encontrar a pedra da felicidade,
a maneira de transformar metais vis em ouro. O filme gerou para mim, naquela
viagem - uma viagem nos dois sentidos da palavra - a sensação
de que as pessoas estão num descaminho nesta busca por coisas bonitas.
Meu livro não tem intenção de desqualificar esta
procura por coisas mais sutis, numa tentativa de sair deste mundo que
funciona 24 horas por dia. Mas, sim, mostrar que as pessoas são
tentadas por produtos cada vez mais refinados, com linguagem interessante,
que as conduzem a desvios e enganos.
Teme que seu livro pegue carona no sucesso de 'O segredo'?
- Fiquei muito em dúvida se o escreveria ou não. Demorei
por falta de tempo, e, quando o fiz, O segredo tinha se tornado best-seller.
Meu grande temor é que este livro seja um antiproduto de O segredo,
também se tornando, portanto, um produto. Isso o esvaziaria em
muito sentidos. Quis escrever O sagrado para que as pessoas que tiverem
sido tocadas por O segredo façam uma distinção importante.
Por que escrever sobre isso agora?
- O segredo é pernicioso ao dizer que as pessoas são especiais.
O livro diz, basicamente, que as pessoas podem pedir o que quiserem ao
universo porque são especiais e não apenas um código
de barras nesta civilização. A ciência nos relembra
constantemente de nossa pequenez em relação ao sistema solar.
Sentimo-nos oprimidos, desvalorizados. Qual é o significado da
vida? De repente, nenhum. O planeta vai acabar, vai aquecer. Olhar as
espécies sendo extintas é uma mensagem aterradora. O racionalismo
nos diz: "Não, você não é especial. Toque
sua vida, pois pode cair um meteoro e acabar com tudo num instante".
O segredo faz parte de uma perspectiva mágica, esotérica,
que retruca: "Você é o centro do universo, existe uma
lei da atração que permite que você peça e
consiga as coisas". Nesse sentido, a obra tem grande importância
no século 21, com todas as ameaças que estamos vivendo.
Daí seu sucesso editorial e sucesso de tudo o que é oculto,
a explosão de interesse por cabala e por outras coisas feitas para
ajudar as pessoas a descobrirem que podem chegar aos segredos do mundo.
Como interpretar o conceito de sagrado?
- As tradições religiosas tentam chamar a atenção
do ser humano para não cair nem no pólo racional, que acaba
desqualificando qualquer importância do ser humano, nem num lugar
mágico, onde o ser humano é o centro do universo. O sagrado
é a descoberta de que você é parte de alguma coisa
que é muito importante. Nem eu, Nilton Bonder, nem você,
nem nenhum guru somos privilegiados porque conhecemos O segredo. Somos
parte de um projeto maior. O sentido transcende as biografias de cada
um, não importa quantos prédios ergueu, quantos livros escreveu
ou quantos amores teve em vida.
Por que o termo auto-ajuda caiu em descrédito?
- Um livro de auto-ajuda é calcado numa proposta, que é
vendida como um produto. Este tipo de literatura se compararia a uma pizza.
Pizza é uma coisa maravilhosa. Não vou falar mal de pizza,
ela tem seu lugar na vida da gente. Eu, de vez em quando, como pizza.
Mas sei que não tem nutrientes. Não é um alimento
saudável. É assim que vejo os produtos de auto-ajuda: oferecem
coisas gostosas, cheias de açúcar e carboidratos. Mas o
que não pode é a auto-ajuda vender-se como algo que faz
bem à saúde.
Mas é uma literatura malfeita?
- Sim. É como um brinquedo que vem da China e que esquece que sua
função primeira é oferecer segurança a uma
criança. Se for baratinho e encher os olhos dela, quem liga se
puder envenená-la? Que valores norteiam esse fazedor de brinquedos?
Quais são os valores que norteiam uma pessoa que faz um livro cujo
interesse seja única e exclusivamente produzir algo que venda,
que não esteja nem aí para a saúde, para os efeitos
colaterais e intoxicações que possam causar aos leitores?
Certas coisas até conseguem ficar num plano poético, como
o horóscopo de jornal, por exemplo. Leio e acho bonito.
Há poesia no horóscopo?
- Sim, claro! Engana-se quem pensa que aquilo que está escrito
serve como oráculo. É impossível que alguém
que não conheça você e escreveu para todos os capricornianos
- no Brasil, milhões de pessoas - possa prever que todos terão
a mesma experiência naquele dia. Mas, se aquele parágrafo
levar a pensar sobre aspectos existenciais e fizer com que se entre em
contato com coisas que escapam na correria do cotidiano, o horóscopo
terá tido a função de abrir um canal da vida cheio
de magia, de poesia e de colorido.
A auto-ajuda assumiu o papel que cabia à
religião?
- Sim. As pessoas se enganam quando acham que o que querem é a
descoberta de um segredo, de uma chave para o universo. O que mais anseiam
é por comunidade. Esse sentimento de pertencer a um grupo aparecia
em danças tribais em que havia elementos sagrados ou quando, na
tradição judaica, acendem-se velas de shabat (período
que começa a partir do pôr-do-sol da sexta-feira e vai até
o pôr-do-sol de sábado, ordenado por Deus como um tempo de
descanso após a Criação). O sagrado nos conecta a
uma árvore da vida, que prova que você não é
um zé-ninguém que vive sozinho pelo universo. Qual é
a força de um camarada que vai à academia e toma anabolizantes
para ficar musculoso? Que força tem quando pega Aids? As pessoas
hoje não têm vontade de dominar o universo, mas simplesmente
de poder pôr a mão no ombro de alguém, dançar
sua dança tribal e sentir-se como um galho de uma árvore
da vida sagrada construída de geração em geração.
Quais são as principais falhas das religiões?
- Tanto o catolicismo quanto o judaísmo falham ao não gerar
espaços onde as pessoas se sintam acolhidas, parte de uma tribo
onde possam fazer rituais coletivos que resgatem o sagrado. As religiões
precisam religar as pessoas ao sagrado e não a um corporativismo,
que diz: Esse é judeu, é do meu rebanho, vai construir a
minha sinagoga. As pessoas precisam entrar em contato com sua ancestralidade,
para que se percebam elementos vivos e pulsantes da árvore da vida,
e não seres descartáveis, solitários que envelhecem
e morrem num quarto escuro em Copacabana, para só serem descobertos
depois de três semanas por causa do mau cheiro.
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