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A MESA POSTA
CABALA DA COMIDA
JORNAL DO BRASIL - CADERNO B - COMIDA - 22/ABR/1989
DANUSIA BARBARA
A toalha rendada cobrindo a mesa, os talheres cintilando, a sopeira enorme
espalhando perfumes. Esta imagem de ordem e paz doméstica é
a maneira que os rabinos descreviam o mundo no século 16 - e o
rabino Nilton Bonder recupera para nossos dias, num dos livros mais interessantes
o que têm aparecido por aí.
Cabala da Comida
Quem está acostumado com os delírios dietéticos
da moda (quiabo à milanesa quando a maré subir, 10 quilos
a menos por semana) vai estranhar o livro do rabino Nilton Bonder. Não
há receitas milagrosas, nem promessas de perder peso. Há
sim uma dieta - um método de alimentar-se - que leva em conta o
meio ambiente total, de onde vem a comida e vive o homem.
O livro, gostoso de ler, tem historinhas. Como esta: Shalon é um
bêbado desses que acordam com a cara na lama. Pois o homem esperou
Shalon ficar sóbrio, cuidou de Shalon, prometeu a Shalon um barril
de pinga, só para ouvir do bêbado decadente e miserável
os conselhos mais justos e sábios do mundo. Fora da bebida, Shalon
não tinha pecados.
Com jeito de moderno, o rabino Nilton Bonder conta sua visão da
comida - a visão ortodoxa e antiquíssima da cultura religiosa
judaica. Nilton Bonder é gaúcho, 31 anos, surfista, vegetariano,
engenheiro mecânico formado pela Columbia University e, principalmente,
um rabino ortodoxo, formado no Jewish Theologioal Seminary de Nova Iorque
em 1986.
Como vegetariano, ele não é um radical: come peixe por exemplo.
Inclusive, sente dificuldade de se manter vegetariano no Rio, onde fora
de lugares como o Quadrifoglio ou o Celeiro, ele acha a comida sem carne
um pavor e as saladas um pântano de maionese e presunto.
Seu livro, A dieta do rabino, possivelmente vai fascinar quem não
esteja familiarizado com a cultura religiosa judaica. O livro se lê
em algumas horas (Nilton pesquisou anos e o escreveu -bem- em uma semana)
e está cheio de descobertas como a noção cabalística
de que comer é um recebimento, e comer mal é negar-se a
retribuir ao mundo o que se recebeu. É gordo quem recebe mas não
se dá. Comida superior é a que se entrega por inteiro, sem
resistências nem armadilhas.
De tudo que já se escreveu sobre comida recentemente - reminiscências,
receitas para emagrecer, histórias ou geografias da fome - o livro
de Nilton Bonder é dos mais originais. Ele fala da arte de comer
em sua dimensão religiosa (uma religião bastante mágica,
extremamente "oriental", inventando o novo a partir de velhíssimos
escritos rabinicos, que ele desenterrou como pesquisador na biblioteca
judaica de Manhattan. No século 16, quando os autores cristãos
falavam do teatro do mundo, os rabinos viam o mesmo mundo como "uma
mesa posta".
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